Reunida nos dias 5-6-7 de Outubro deste ano de 2007, a Assembleia Fundacional da FACP, aprovou as linhas gerais de orientação (ver Manifesto abaixo), assim como a sua orgânica interna, decidiu também em relação a acções nos tempos mais próximos e várias propostas que apresentará brevemente.

Reunida nos dias 5-6-7 de Outubro deste ano de 2007, a Assembleia Fundacional da FACP, aprovou as linhas gerais de orientação (ver Manifesto abaixo), assim como a sua orgânica interna, decidiu também em relação a acções nos tempos mais próximos e várias propostas que apresentará brevemente.

Manifesto da Federação Anarquista Comunista de Portugal

(Documento aprovado pela assembleia fundadora a 7 de Outubro de 2007)

Introdução

O anarquismo comporta em si dois mundos : o das ideias e o das acções, estando ambos intrinsecamente ligados entre si. Assim, o anarquismo não é mais que uma análise material de uma prática de luta social levada a cabo por trabalhadores (*) ou comunidades auto organizadas em defesa dos seus interesses e não em defesa de interesses alheios, ou que lhes foram inculcados por partidos ou vanguardas iluminadas. Trabalhadores e comunidades em luta preocupam-se, naturalmente, mais com o lado concreto e prático do anarquismo. O seu princípio essencial e fundamental é o princípio da iniciativa revolucionária dos trabalhadores e a sua libertação pelas suas próprias forças.

Todos os movimentos sociais revolucionários que se deram até aqui desenrolam-se nos limites do regime capitalista e apenas têm tido uma influência escassa da teoria e prática anarquista, excepção feita a Espanha (1936-1939), Ucrânia (1917-1921) e México (1910-1920) – embora, com maior ou menor sucesso, com maior ou menor influência dos anarquistas e suas organizações, todas as lutas da classe trabalhadora, do passado e presente, são valiosas e delas se devem retirar importantes ilações. Isto é bastante compreensível, pois as lutas sociais e seus intervenientes agem não num mundo desejado, mas naquele que existe à sua volta, estando diariamente em luta com a acção física e psicológica de forças repressoras. O movimento anarquista actual, que tem uma fraca expressão, pouco ajuda nas lutas sociais e os trabalhadores sofrem, assim, constantemente a influência de todo o meio real do sistema capitalista e dos grupos intermediários que lhes estão associados : sejam os partidos políticos que advogam a luta reformista e parlamentarista ; sejam os sindicatos manipulados ao sabor dos interesses das classes dominantes e não dos trabalhadores, que de resto poucas decisões têm na própria orgânica sindical, estando à mercê de cúpulas dirigentes ; sejam dos meios de comunicação social que constroem realidades e verdades fictícias. (1)

O ideal do anarquismo é rico na sua multiplicidade, mas o papel dos anarquistas nas lutas sociais é muito pobre em Portugal, senão nulo. O seu fim deveria ser ajudar as lutas sociais a entrar na via da luta emancipatória e da edificação da sociedade vindoura, e enquanto o movimento das massas não trilhar o caminho da colisão decisiva, o papel dos anarquistas devia centrar-se na cooperação com os movimentos sociais, ajudando-os a interpretar a significação da luta que as espera, a definir as obras a realizar e os seus objectivos, a tomar as necessárias disposições de combate e a organizar as suas forças, bem como a combater as tendências centralizadoras dos políticos profissionais oportunistas que sempre espreitam para tomar as rédeas dos movimentos sociais. Se as lutas sociais passaram para uma etapa decisiva, então, os anarquistas devem estar prontos e precipitar-se nela sem perderem um instante ; deverão fazer tudo o que depender deles para sustentar os primeiros ensaios construtivos, procurando firmemente que o caminho conduza às aspirações essenciais dos trabalhadores e/ou comunidades. Devemos promover, em todas as ocasiões, no seio dos trabalhadores e do povo os ideais de auto organização e de autogestão.

O que vemos hoje, na realidade portuguesa, é um cenário onde os anarquistas estão completamente desligados das lutas sociais, totalmente ao contrário do que deveria ser a prática anarquista, isto apesar dos exemplos históricos de homens e lutadores como Emídio Santana, Manuel Joaquim de Sousa, Mário Castelhano ou Neno Vasco, ou de organizações como os anarco-sindicalistas da CGT, ou anarco-comunistas da UAP (União Anarquista Portuguesa) – que integrou a Federação Anarquista Ibérica. Grupos, homens e mulheres que lutaram pela emancipação integral dos trabalhadores, bem como foram bravos lutadores contra o fascismo. O ideal do anarquismo mobiliza o entusiasmo de muitos revolucionários sinceros, porém as formas mais frequentes de discurso explicitamente anarquista acusam ainda muitíssimas lacunas pois entram muito pelos lugares comuns abstractos e vagos e divagações por domínios que não têm nada a ver com o movimento social dos trabalhadores. Mas há um traço que sobressai bastante desses discursos – a alergia ou completa aversão à organização (2).

Há muito tempo que os anarquistas portugueses são atacados por essa doença terrível : a desorganização. Este mal destruiu neles a necessidade e o vigor de um pensamento concreto e condenou-os à inactividade em momentos importantes da luta social. Com a desorganização, advém a irresponsabilidade, e juntas, conduzem ao empobrecimento da ideia e à nulidade em matéria prática. A organização deverá vir e virá, ligando entre si todos os que tomam seriamente o anarquismo, que são realmente dedicados à revolução e ás lutas sociais.

Outra enfermidade grave que assola o anarquismo é a abstracção em que o mergulharam pela irrupção de tendências que pouco têm a ver com o anarquismo e mais com um sentimento liberal burguês : desde os niilistas, aos existencialistas, aos anarco-capitalistas, aos primitivistas, etc.

“Anarquismo não significa misticismo, nem palavras vagas sobre a beleza, nem tão pouco desespero. A sua grandeza é feita, antes de tudo, pela sua dedicação à causa da humanidade oprimida. Traz em si a aspiração das massas para a verdade, o seu heroísmo e a sua vontade concentrada ; representa neste momento a única doutrina social sobre que as massas podem apoiar-se com confiança para conduzir a sua luta. Não basta que o anarquismo seja uma grande ideia e as anarquistas os seus representantes platónicos. É necessário que os anarquistas tomem constantemente parte do movimento revolucionário das massas e como cooperadores. Só então esse movimento respirará plenamente a atmosfera verdadeira do ideal do anarquismo. Nada se obtém gratuitamente. Todas as causas exigem esforços e sacrifícios. O anarquismo deve encontrar uma unidade de vontade e uma unidade de acção e alcançar uma noção exacta do seu papel histórico. O anarquismo deve penetrar no coração das massas e fundir-se com elas” (3).

Porque dispersos vemos a nossa influência reduzida no decurso das lutas, ainda para mais quando somos poucos ; porque dispersos vemos a nossa capacidade individual reduzida a nada, pois trabalhando sozinhos, sem projectos, vamos observando tudo sem capacidade de agir voltando para casa desmotivados e sem ânimo, – por vezes, alguns companheiros decidem juntar-se a projectos de outras tendências, com as quais mantêm desacordos irreconciliáveis –, propomos nos auto organizar. Queremos que o Movimento Anarquista volte às ruas, às fábricas, às comunidades, às escolas. Queremos que ele seja uma força revolucionária que combata o capitalismo e todo o autoritarismo injustificável, aplicando-lhe as armas da acção directa das massas, horizontalidade, solidariedade, autogestão, liberdade, igualdade e federalismo.

Achamos que um trabalho preparatório é condição absoluta para a vitória das lutas sociais. Será, pois, preciso realizar uma estratégia revolucionária de classe e é disso que dependerá, num grau considerável, o futuro do movimento. É pois preciso que nos organizemos. Não queremos ser nenhuma vanguarda iluminada, senão promotores da auto organização dos trabalhadores e suas comunidades, por isso defendemos uma organização que seja um meio e nunca um fim. Convém, no entanto, ressalvar que não pretendemos ser um grupo sintetista, que agrupe várias tendências anarquistas, pretendemos ser um grupo de luta de classes, que se pode designar anarquista comunista, embora a palavra “comunista” possa causar calafrios a muita gente.

É pois nesse sentido que se delineiam os seguintes princípios :

1º Somos anti-capitalistas, o que significa que consideramos que a actual organização da sociedade, baseada na exploração do trabalho assalariado, tem de desaparecer. Significa também que, embora combatendo as manifestações mais extremas do capitalismo, as grandes corporações, os grandes centros regionais e mundiais que ditam as políticas em todo o globo, somos contrários às formas mais arcaicas de exploração, capitalistas ou não capitalistas. Não aceitamos defender os pequenos capitalistas contra os grandes, ou os capitalistas nacionais contra os estrangeiros à custa da traição aos trabalhadores, como tem sido princípio do reformismo e da esquerda autoritária. Igualmente, fica bem claro para nós que nenhuma sociedade instaurou até hoje qualquer forma de socialismo ou de comunismo real. O que se tem como sociedades onde reina o « comunismo », actualmente, como a República Popular da China, a Coreia do Norte, Cuba e outros casos, são apenas exemplos de uma forma de capitalismo, o capitalismo de estado, em que uma oligarquia decide em nome do proletariado, o qual é espezinhado e humilhado constantemente.

2º Somos anti-autoritários, o que significa que temos como objectivo a destruição do estado, um dos sustentáculos maiores do capitalismo, e a sua substituição por uma sociedade de comunas livres e de autogestão generalizada, em todos os domínios, produtivos e outros. Significa também que somos contra a existência de vanguardas ou de elites que se auto designam como « consciência » dos explorados e que supostamente os guiariam até ao triunfo da revolução. Sabemos que as formas de organização que tomarmos no presente vão ser importantes nos mais diversos momentos da luta para a instauração do comunismo libertário. Não aceitaremos, portanto, que haja entre nós quem mande ou quem seja mandado. Somos anti-autoritários, porque discutimos colectivamente, decidimos pela democracia directa todos os aspectos da nossa vida interna enquanto organização, nomeadamente, todos os que estejam relacionados com as nossas acções.

3º Somos pela unidade teórica, ou seja, temos um corpo comum de doutrina, de teoria, que vamos desenvolvendo e aprofundando com os ensinamentos da prática, na discussão fraterna entre nós e com outros colectivos e entidades afins.

4º Sendo a nossa estratégia e táctica decorrentes da nossa teoria, elas deverão apresentar unidade em termos gerais, embora com adaptações às condições geográficas e/ou outras que se apresentem.

5º Somos pela responsabilidade colectiva. Isto significa que o funcionamento do colectivo e as decisões tomadas por este são partilhadas por todos/as. Todos/as devem fazer o seu melhor para que o Colectivo funcione correctamente e as suas iniciativas sejam coroadas de êxito. O facto de certas tarefas serem atribuídas a determinados elementos não exime os outros de responsabilidades : primeiro, porque participaram na tomada de decisão sobre essa distribuição de responsabilidades ; segundo, porque têm o dever de suprir falhas ou deficiências que venham a ocorrer, por qualquer motivo, durante a execução de uma dada tarefa. Sendo o processo de tomada de decisão inteiramente democrático e partilhado, não podem alguns membros colocar-se de lado, não contribuindo para um dado trabalho, sob pretexto de que não estavam de acordo com tal ou tal decisão. Condenamos, também, a prática de agir sob a responsabilidade de um indivíduo.

6º Somos pela democracia directa. Nesta, a assembleia é soberana para tomar as decisões que dizem respeito aos seus membros. Todas as pessoas têm liberdade de intervir e são convidadas a fazê-lo. As decisões devem ser tomadas tendo em conta as opiniões de todas as pessoas. Se possível, deve-se chegar a consenso. Caso seja impossível um consenso, deve-se então determinar qual a posição maioritária pelo voto. É um mito dizer-se que os anarquistas não votam. Votam nas suas assembleias, mas apenas quando esse meio se torna indispensável. A existência de uma discussão tão ampla e generalizada quanto a assembleia queira, faz com que as decisões que daí emanam sejam consensuais, ou por ampla maioria. Os nossos mecanismos de tomada decisão salvaguardam, também, as posições minoritárias. Logicamente, os membros dessa assembleia sentem-se vinculados (responsabilizados) às decisões tomadas colectivamente. Isto significa que todos têm obrigação de implementar as decisões tomadas (responsabilidade colectiva), visto que participaram activamente na tomada de decisão.

7º Somos internacionalistas, porque temos consciência de que a espécie humana é una ; de que não existem raças ; de que são indefensáveis ideários de superioridade nacional ou cultural ; o mal que advém do capitalismo ataca todos os povos.

8ª Somos anti-militaristas porque pensamos que o exército é um dos suportes do Estado e do capitalismo, mantendo uma hierarquia rígida completamente separada do povo e ao serviço dos interesses privados. Somos pelo povo em armas para defender a revolução triunfante dos inimigos, pelo que terá de se auto-organizar em milícias revolucionárias.

9º Nos nossos meios e na sociedade em geral, combateremos energicamente todas as discriminações. O capitalismo e o estado também se mantêm através do patriarcado, do racismo, da xenofobia, do sexismo e da homofobia, que se somam e agravam à opressão de classe. Combateremos sem descanso pelo respeito dos direitos dos imigrantes, segundo o lema : « nenhum ser humano é ilegal ».

10º Somos ecologistas/ambientalistas, pois a crise ecológica global é causada pela acção do capitalismo, seja ele liberal ou de estado. É incompatível com a apropriação individual dos bens produtivos, o objectivo de vivermos em harmonia com a Natureza. No capitalismo, só pode haver agravamento de todos os problemas ambientais. A revolução anti-autoritária – também por este motivo – torna-se cada vez mais necessária e urgente.
Em termos de objectivos gerais, a Federação propõe-se :
1º Difundir o anarquismo, o mais amplamente possível devolvendo-o aos trabalhadores como seu património ;

2º Combater todos os preconceitos alimentados contra o anarquismo, denunciando igualmente às pseudo-expressões do anarquismo, tais como : primitivismo, caos, individualismo, um estilo de vida, terrorismo, anarco-capitalismo, etc ;

3º Participar em todas as lutas do movimento social, num sentido de emancipação geral, mas também de avanço das condições materiais e outras dos trabalhadores e camadas oprimidas. Neste combate, estaremos prontos a cooperar com outros, não deixando de denunciar as derivas autoritárias e, ou vanguardistas. Neste âmbito, entendemos realizar trabalho em estruturas sindicais existentes ou promovendo novas estruturas, sempre no respeito pela vontade dos trabalhadores associados em tais estruturas. Consideramos como prioridade, em pé de igualdade, o apoio e trabalho conjunto com colectivos anti-autoritários de âmbito ecológico, de apoio a presos, feminismo anárquico, pelo direito à habitação, anti-racista, anti-fascista, entre outros ;

4º No nosso Colectivo têm lugar todo(a)s que queiram assumir o seu compromisso com plena responsabilidade, o que inclui a ajuda mútua para melhorar o desempenho prático e teórico como anarquistas de luta de classes.

5º Trabalhar conjuntamente com outras organizações específicas, ao nível internacional, que partilhem o essencial das nossas posições (Federações, Grupos Anarquistas Comunistas e Anarquistas de Luta de Classes), assim como organizações de massas (Sindicatos, etc.), desde que mantenham uma postura de defesa dos interesses da classe trabalhadora e uma independência em relação aos poderes.


Notas :
(*) Por trabalhador entendemos todo aquele, homem ou mulher, que para sobreviver necessita de vender a sua força de trabalho, podendo ou não, num determinado momento, estar a ser remunerado. Nesta categoria englobamos estudantes, desempregados, imigrantes, bolseiros, artistas intermitentes, etc.

(1) Noam Chomsky faz uma análise clarividente acerca dos media no livro – A Manipulação dos Media (Inquérito, 2003) : “Naquilo a que hoje em dia se chama um estado totalitário, ou militar, é fácil. Mantém-se um bom cacete em cima da cabeça das pessoas e se elas saírem da linha dá-se-lhes com ele. Todavia como a sociedade se tornou mais livre e mais democrática, perdeu-se essa capacidade. É necessário, portanto recorrer às técnicas de propaganda. A lógica é evidente. A propaganda está para uma democracia como um cacete para um estado totalitário”.

(2) Piotr Arshinov define muito bem este problema : “Muitos anarquistas gastam as suas forças a tratar de resolver se o problema do anarquismo é o da libertação das classes, da humanidade ou do indivíduo. A questão é vazia. Contudo, ela tem a sua base em algumas posições vagas do anarquismo e abre um caminho para abusos no domínio da ideia anarquista, por meio da prática anarquista em seguida. Lentamente, os homens de acção, possuindo uma vontade firme e um instinto revolucionário muito desenvolvido, verão na ideia anarquista da liberdade individual, a ideia da luta infatigável pela liberdade anarquista das massas. Mas aos que não têm a paixão revolucionária, que pensam em primeiro lugar nas manifestações do seu próprio ego, compreendem esta ideia à sua própria maneira. De cada vez que se trata de organização prática, de responsabilidade, refugiam-se na ideia anarquista da liberdade individual e fundando-se nela procuram subtrair-se a toda a responsabilidade e impedir toda a organização. Cada um deles retira-se para o seu canto, imagina a sua obra própria e prega o seu próprio anarquismo”. – História do Movimento Makhnovista 1917-1921, Assírio e Alvim, 1976

(3) Nestor Makhno – The Struggle Against the State & Other Essays, AK Press, 1996


Fuente: facp-geral@riseup.net